Temos registro dessa nossa predileção desde, pelo menos, o século passado, através de anúncios que a imprensa de Vitória então publicava. Por exemplo: em a Gazeta da Victoria, edição de 28 de março de 1878, divulgava-se: “aos amantes das Tortas. Camarões secos na casa de negócio Casilhas, à rua de São Diogo”. O mesmo jornal, na edição de 18 de abril do mesmo ano, inseria este anúncio: “Alta novidade para Tortas e Empadas! Ver para crer na Travessa do Ouvidor 6 – antiga casa do Comendador Souto”. Seguem-se os petiscos (entre outros): “o bom Bacalhau, Azeite-doce, vinagre de Lisboa, Cebolas grandes, não esquecendo a boa pinga dos principais vinhos do Porto, engarrafado e em barril. Lisboa muito bom. Virgem especial e muitos outros, que só com a vista poderão ser apreciados pela sua qualidade. Tudo isto vende-se por preço muito módico na Casa de Augusto Aguiar.”
Que esses anúncios visavam à freguesia da Semana Santa não há dúvida, principalmente se se verificar (como o fizemos) que, em 1878, a Quinta-Feira Santa caiu no dia 18 de abril, e o Domingo da Páscoa, consequentemente, a 21 do mesmo mês.
A tradição continua teimosa e gostosa. Em todo o Espírito Santo se prepara, nessa época, a Torta da Semana Santa. Não há capixaba que, vivendo aqui no Estado, ou perdido em distantes plagas por esse Brasil a dentro, não procure comer a sua, a nossa Torta, por ocasião da Páscoa. Sei até que é de rigorosa praxe a expedição, por via aérea, de centenas de frigideiras de barro contendo a famosa torta nossa, enviadas, como encomendas ou como presentes e lembranças pascoais, a capixabas ausentes no Rio e noutras paragens. Tal a força da tradição secular!
O preparo da Torta capixaba requer muito engenho e muita arte. Nela (quando Deus não manda o contrário...) se empregam os mais variados mariscos; nela se misturam temperos de diversos tipos e qualidades; nela se aplicam enfeites caprichosos, com rodelas de ovos, de cebolas e azeitonas. Dentro do seu estojo natural – a frigideira ou panela de barro – a Torta, afinal, se apresenta como um belo trabalho de arte, que deleita a vista, o olfato e o paladar. Trabalho de arte, sim senhor! “...um pudim bem feito (afirma Gilberto Freire), um carneiro bem assado, um peixe bem temperado (uma torta bem preparada...) são, na realidade, trabalhos d’arte; e os cozinheiros, os quituteiros, os doceiros – artistas, tanto quanto os pintores, os músicos e os escultores (Região e Tradição, pág. 212).
RECEITA DA TORTA CAPIXABA:
Ingredientes:
Cebola, alho, azeite, azeitona, limão, coentro, cebolinha
500g de palmito natural previamente cozido
200g de siri desfiado e cozido
200g de caranguejo desfiado e cozido
200g de camarão cozido
200g de ostra cozida
200g de sururu cozido
200gr de badejo desfiado e cozido
500gr de bacalhau desfiado e cozido.
7 ovos
Modo de Preparo:
Refogue o azeite, a cebola, alho, pimenta, azeitona e limão. Junte o palmito (natural), em rodelas e espere até desaparecer a água e ganhar consistência.
Junte depois de limpos, desfiados, cozidos e espremidos, os outros ingredientes, mexendo até evaporar a água.
Deixe esfriar.
Bata as claras em neve e misture as gemas.
Misture uma parte das claras em neve, ao refogado, coloque em forma de barro e cubra com a parte restante das claras.
Decore com ovo cozido, em rodelas, cebola em rodelas e azeitonas.
Leve ao forno aquecido, até dourar.